domingo, 4 de março de 2012

Reflexões de uma cadela vira-lata


Neste feriado de Carnaval entreguei-me à leitura de um livro que me causou agradável surpresa. Trata-se de Reflexões de uma cadela vira-lata, de Rivanildo Feitosa. O título é absolutamente estranho e a primeira indagação que provoca é esta: como seriam as reflexões de uma cadela, seja vira-lata, ou da melhor raça canina?

No vasto e rico palácio da imaginação humana tudo é possível. Depois que Kafka, na sua Metamorfose, transformou seu personagem principal num inseto, para melhor expor  os segredos da condição humana, o mundo da ficção ficou mais rico. E mais insondável a compreensão da vida.

Nas fábulas, tão apreciadas na antiguidade clássica, o dom da palavra é concedido aos animais, para dizerem o que os homens não podem dizer. Eram reflexões, sem a responsabilidade de quem as faz ou divulga.

É isso o que Rivanildo realiza no seu romance. Oferece-nos uma fábula que se desdobra em cenas contrastantes, revelando o prazer que Sabiá – é o nome da cadela – sentia em assumir a sua condição humana, encarnando-se em mulher. Assim, pensava como mulher e vivia como cadela. Trabalhava daí em diante para construir o seu mundo: “O meu mundo sou eu quem faço – quero saborear o desejo de conquistar cada pedaço de sonho, projeto, desejos. Ah, muitos desejos, principalmente os do pecado da carne”.

Não estamos em face de um romance vulgar. Como estreante, Rivanildo sente os tropeços de quem começa. Mas nem por isso perde a visão de que está construindo uma obra equilibrada e enriquecida pelo teor das variadas reflexões que apresenta. Há momentos de segurança e insegurança. Mas basta a primeira posição para salvá-lo dos percalços de uma obra mal construída. Realizou-a com a convicção de que no romance revela sua vocação, não lhe faltando técnica, poder inventivo e habilidade, para construir uma história envolvente, a exemplo dos grandes ficcionistas modernos.

Sua arte de narrar é simples, espontânea, individual, aplicando-se-lhe esta observação de um crítico literário: “A arte é antes de tudo uma meditação do homem sobre si próprio e uma conversa consigo mesmo” (Alceu
Amoroso Lima).

É isso o que traduz a arte de Rivanildo, pois nela se revela integralmente, exprimindo o que sente e falando do que lhe agrada.

Tirando-se do livro as fortes doses de erotismo, algumas postas ali de forma exagerada e abusiva, o livro merece nossos aplausos e vai esta nota como estímulo para que continue escrevendo, pois é inegável sua sensibilidade estética para produzir obras que nos levem a meditar sobre a vida e seus contrastes.



CELSO BARROS COELHO
ADVOGADO

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