domingo, 29 de abril de 2012

Reflexão sobre a sobrevivência


Quando criança, fechava os olhos e me tornava invisível. Eu tinha essa estranha capacidade de desaparecer apenas com os olhos cerrados – e isso me dava uma vantagem sobre as outras crianças que comigo brincavam de esconde-esconde. Perdi este superpoder. Só lembro-me dele vagamente.

Também tinha a capacidade de dar vida a objetos inanimados e, com eles, criar histórias, entre o bem e o mal, o justo e o errado, o certo e o duvidoso. Essa capacidade caminhou triste para uma escuridão. Foi suprimida por um tom cada vez mais cinza, que se perdeu num ostracismo interior.

O medo do escuro, sempre presente em momentos em que o silêncio imperava, era um dos meus maiores obstáculos de brincar à noite no quintal de casa. Ali, entre os galhos de acerola ou do cajuzeiro, existia uma
estranha entidade que poderia estar ávida para me capturar. Ela foi engolida, tragada por si mesma. E desapareceu como se eu tivesse acendido uma luz.

É estranha a sensação de que certas coisas, por mais diminutas e – aos olhos dos outros, idiotas – se percam. Não é que a inocência cega, ela apenas nos faz enxergar tudo de outra perspectiva. Talvez menos maliciosa e menos perversa do que a perspectiva atual.

Hoje, quando fecho os olhos, sei que é o momento de dormir para repor energias para o dia seguinte, para a rotina cheia de repetições que dão a leve sensação de nunca serem iguais, mas no fundo serem as mesmas.

Quando dou vida a objetos inanimados, não é uma vida repleta de simbolismos. É uma vida maquinal, fria. É o computador que trava e que recebe uns bons xingamentos. É o celular que acaba o crédito e me revela, numa voz gravada, irônica e feliz, que meus créditos acabaram e que eu devo recarregar.

Também não sinto mais medo do escuro e de suas estranhas formas, suas sombras a brincarem com a imaginação.

Sinto medo das formas humanas que se projetam entre as esquinas, não sei se mal intencionadas. Sinto medo da violência, não só restrita à escuridão, mas à luz do dia.

Hoje, muitas vezes sinto que parte de mim morreu. Não por que quis sepultá-la, mas por que foi necessário fazê-la.

As concepções de uma infância se foram. Restaram apenas uma casca vazia. Não que tenha me tornado frio, longe disso. Apenas tive que me adaptar uma realidade que me sufoca, que tenta me enquadrar em modelos ideais, que nada são ideais. São apenas estilos, criados para que possamos nos adaptar e sobreviver.

Só os mais aptos sobrevivem, é o que Darwin diria. Eu ainda acho que ele errou: só os que sonham sobrevivem.

Porém, não o sonho forjado para o sucesso profissional. Sobrevivem apenas os que sonham com dias melhores, com um mundo onde é possível cerrar os olhos e ficar invisível, dar vida a objetos inanimados e, por fim, ter medo do escuro simplesmente por imaginar monstros – e saber que eles não existem.



JULIANO SCHIAVO
JORNALISTA/ESCRITOR/ESTUDANTE
DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

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