domingo, 26 de fevereiro de 2012

Vamos “coisar?”


Êpa, “peraí”, não é nada disso que você está pensando, estou o convidando para prestar muita atenção na palavra coisa. Veja que coisa é essa palavra. Ela é o Bombril do idioma, tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre quando nos faltam palavras para exprimir uma ideia.
Coisas do Português. Gramaticalmente, “coisa” pode ser: substantivo, adjetivo, advérbio e até verbo. O Houaiss registra o verbo “coisificar”. E no Nordeste há “coisar: Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?
  
“Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! A coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo Madureira fez o personagem “Coisinha de Jesus”. Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma” vira “coisíssima”. Mas a “coisa” tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré (“Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar”), e a Banda, de Chico Buarque (“Pra ver abanda passar / Cantando coisas de amor”), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou. Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor,verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: “Coisa linda / Coisa que eu adoro”.

Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o saláriomínimo não dá pra coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: Agora a coisa vai. Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas
coisas!

Coisa à toa. Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: “Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente”. E, no verso do poeta, “coisa” vira “cousa”.Se as pessoas foram feitas para ser amadas, e as coisas para serem usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não
compra: paz, saúde, alegria e outras coisas mais. Mas, “deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida”, cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre todas as coisas. E creia, ainda tem muita “coisa” pra se dizer e escrever sobre as coisas. Que coisa, hein! Entendeu o espírito da coisa”?



LÁZARO DO PIAUÍ
ESCRITOR  

Nenhum comentário:

Postar um comentário