quarta-feira, 16 de maio de 2012

A República democrática do toma lá, dá cá


Nas monarquias absolutas quem manda é o rei. Nas repúblicas democráticas, o rei é o povo, que as administra indiretamente por meio de seus mandatários de confiança, eleitos pelo voto direto. No período da nossa coloniza- ção, o povo era ignorado e usurpado pela monarquia lusitana. Conta-nos a história que,
quando aqui chegou, D. João VI recebia dinheiro dos ricos comerciantes e, em troca, concedia-lhes honrarias e títulos de nobreza. Iniciou-se, assim, a política do toma lá, dá cá no nosso país. Inconformados com esse estado de coisas, em 1822 conquistamos a nossa independência e em 1889 fundamos a democracia republicana. Por que então as práticas coloniais persistem na República, que veio exatamente para coibi-las? Para responder a esta questão, tenho como objetivo apontar algumas contradições à República e apresentar sugestões de como evitá-las.

A primeira dessas contradições é a promiscuidade ou a troca de favores entre o setor público e o privado. De fato, ao permitirmos que o poder econômico financie os nossos mandatários políticos, estamos cometendo o mais incrível dos paradoxos republicanos, pois, quem se elege dessa forma tem compromissos com os seus financiadores, jamais com a República. A segunda nos remete às coligações partidárias nos moldes atuais, ou seja, sem conteúdo programático.

A fim de constatar que esses casamentos não dão muito valor aos projetos de interesse do país, basta observar o que acontece com os nossos presidentes da República. Reféns das alianças políticas que os ajudaram a chegar ao Planalto, eles se veem na obrigação de distribuir cargos públicos e outras benesses
para, em troca, verem aprovados as propostas do Executivo.

A terceira discrepância não é menos estúpida. Aproveitando-se da ignorância e da leniência política do povo, os mandatários fazem leis que os permitem nomear, indicar ou escolher pessoas para ocupar cargos importantes nos tribunais que devem fiscalizá-los. O que pode acontecer com a República? Em troca dos altos salários e das mordomias, alguns afilhados podem usar esses tribunais para acobertar os crimes praticados pelos padrinhos.

A herança registrada e carimbada no período colonial é a quarta incoerência. Estou falando de inúmeros casos de denúncias de corrupção que os nossos jornais e revistas publicam constantemente. Pressupõe-se, nesse ambiente de suspeição, que o Poder Executivo enxerta no orçamento público, por exemplo, verbas que serão desviadas.

Imagina-se também que, ao ver as contas infladas, o Poder Legislativo cobra a sua parte para aprová-las. Como vimos, administrar interesses que visam à apropriação privada da coisa pública não é tarefa fácil. Por isso, o povo criou e paga inúmeras instituições fiscalizadoras, repressoras e julgadoras para proteger a República contra essas práticas incivilizadas. Acontece que criar não é o fim; cobrar é necessário, pois as reformas não virão de cima para baixo, ou seja, dos usurpadores, virão do povo. Estamos, então, diante de um binômio indissociável do sistema republicano: povo politizado e instituições independentes. É esse binômio, enfim, que nos sugere a única solução democrática coerente, qual seja, iluminar o povo de conhecimentos políticos e econômicos, a fim de que ele, entre outras providências, dê um fim às práticas que furtam os nossos tributos, ridicularizam a nossa ética e prejudicam o crescimento econômico sustentável do nosso país.

Mas essas providências têm que se iniciar no ensino fundamental, a fim de que possamos formar um cidadão mais consciente dos seus direitos e deveres. Com efeito, é a luz do saber que indignará o povo e o levará às ruas para garantir imprensa livre e exigir mais autonomia e responsabilidade das instituições que devem protegê-lo das vicissitudes da alma humana. A recíproca é inquestionável. Ou seja, sem instituições fiscalizadoras e julgadoras que ajudem o povo a administrar o país, temos uma falsa democracia; situação em que o rei da república é traído pelos seus mandatários de confiança.




SÉRGIO COSTA
CONTADOR

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