sexta-feira, 13 de abril de 2012

Entre insensatez e lobos


A cidade estava sitiada pelo medo. Seus habitantes ficavam exilados em suas próprias casas temendo a ação de lobos vorazes. Às vezes os caçadores prendiam alguns lobos, outras, chegavam até a matálos. Mas, mesmo assim, a alcateia se multiplicava assustadoramente. A população se perguntava: “Por que os lobos de outras regiões são menos violentos que os da nossa?”. Mas ninguém encontrava, ou não queria encontrar, uma resposta convincente.

O medo chegou a tal ponto que o prefeito foi obrigado a contratar um especialista para estudar o comportamento dos lobos. O homem acordou de madrugada e, com seu potente binóculo, começou a
observar os lobos. De pronto, notou que eles eram muito magros, ariscos e se comportavam com uma inquietude intrigante. Brigavam por nada, mas depois se acariciavam. Era uma ferocidade estranha. Quando não conseguiam alimentar os seus filhotes, expulsavam-os do covil para o mundo. Depois, uivavam como que arrependidos.

E, já no primeiro dia, o homem que entendia de lobos pode notar que a região não oferecia condições de sobrevivência. Em vez de investir no desenvolvimento da floresta, a fim de que os lobos também pudessem caçar e viver com tranquilidade, os habitantes a desmatavam para atender os seus interesses pessoais. No segundo dia, o estudioso não contou nada do que viu, pois o seu pressentimento era de que não havia nada de errado com os animais.

Resolveu então observar o comportamento dos habitantes da cidade. E constatou o óbvio, a verdade que ninguém queria enxergar: a concentração da renda era tanta que impedia o desenvolvimento da região. Sem trabalho, famintos e ociosos, os marginalizados fugiam para a floresta e, à meia-noite de todos os dias, transformavam-se em lobos e saiam para devorar os habitantes da cidade. Era a luta pela sobrevivência, concluiu o perito.

No terceiro dia, o profissional foi chamado em local reservado, a fim de apresentar o relatório final sobre os seus estudos. Lá estava a nata da sociedade, preparada para indagar sobre a assustadora situação.

Mas foi o prefeito quem fez a primeira e única pergunta: “Então, por que os nossos lobos são tão vorazes?”.

Inicialmente, o homem filosofou: “Senhores, minhas observações puderam comprovar quão verdadeira é a tese do filósofo inglês Thomas Hobbes, segundo a qual ‘o homem é o lobo do homem”. Depois, foi se aprofundando.

“Creiam, a metamorfose de homens em lobos é consequência, cuja causa é a ausência de solidariedade humana, da má gestão e da subtração dos impostos recebidos pela cidade. Vocês deviam entender que os homens-lobos necessitam de compreensão e carinho; precisam de trabalho e de um lar, a fim de viverem com dignidade”. E concluiu: “A julgar como tratam essas questões, vocês serão vítimas da própria insensatez”.

Todos saíram da reunião cabisbaixos, envergonhados, sem coragem de olhar nos olhos do especialista. Sequer esperaram para ouvir os conselhos que salvariam as gerações futuras, bem como fariam com que os lobos de hoje voltassem a ser cidadãos de verdade.





SÉRGIO COSTA
CONTADOR

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