segunda-feira, 26 de março de 2012

Saúde para dar e vender


Mamãe Lúcia tem 85 anos. É agricultora desde sempre. Fora um problema mais sério de saúde há dois anos, quando teve que baixar no hospital depois de décadas, o que a obrigou a reduzir o ritmo, continua fazendo limpeza em casa, cozinhando, remendando roupas, buscando os ovos no galpão e, aos sábados, quando chego, me ajuda a tomar uma boa caipirinha. Tia e madrinha Matilde vai fazer 95 anos em maio. Fora as consequências de uma queda há alguns meses, continua bordando, cuidando do seu quarto, indo à devoção ou missa aos domingos e assistindo seus programas de televisão preferidos.

Márcio Pochmann, presidente do IPEA, vem dizendo que em 2030 teremos uma grande população de idosos, e que é preciso preparar-se para isso. Basta ver a quantidade de grupos ou Clubes da Terceira Idade ou da Melhor Idade. Serão outros tempos, outras formas de convivência, outros cuidados com
a vida e a natureza. Oportuno, pois, o tema da Campanha da Fraternidade/2012, “Fraternidade e Saúde Pública”, “que a saúde se difunda sobre a terra” (Ecl. 38, 8), para “refletir sobre a realidade da saúde no Brasil em vista de uma vida saudável, suscitando o espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção aos enfermos e mobilizar por melhoria no sistema público de saúde”.

O tema da saúde é complexo. Como diz o texto da Campanha, “a vida saudável requer harmonia entre corpo e espírito, entre pessoa e ambiente, entre personalidade e responsabilidade”. Por isso, se “a saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento pessoal e comunitário”, é preciso, entre outras coisas: “articular o tema saúde com a alimentação, a educação, o trabalho, a remuneração, a promoção da mulher, da criança, da ecologia, do meio ambiente, etc.; as ações de promoção da saúde e defesa da vida devem contribuir para a construção de políticas públicas e de projetos de desenvolvimento nacional, local e paroquial, calcada em projetos como a igualdade, a solidariedade, a justiça, a democracia, a qualidade de vida e a participação cidadã”.

O mundo, ou a sua parte mais rica, está em crise, econômica, social, ambiental e de valores. Diz a Campanha da Fraternidade: “Na raiz deste processo, encontra-se a corrida desenvolvimentista desenfreada, liderada pelos países detentores de capitais para investimento tecnológico. Este movimento teve um efeito cascata negativo na natureza, ao expor a vida e o meio ambiente a elementos prejudiciais e agressores. Dentre tais consequências estão a poluição dos mananciais de água potável, a disseminação de campos eletromagnéticos, a poluição atmosférica, a contaminação por agrotóxicos, a contaminação dos solos por resíduos, a ocorrência de desastres ambientais”.

É preciso olhar à frente dos problemas imediatos, quando se pensa em saúde das pessoas. É preciso pensar na saúde do planeta terra. Isso exige uma avaliação crítica dos modelos de desenvolvimento implantados nos últimos séculos, a partir do capitalismo. Exige um olhar que envolve o cuidado com a natureza, ver as formas de produção de alimentos, reavaliar o que e como se come todos os dias e pensar o sentido da vida, não só humana, mas também de animais e plantas. Não se trata, pois, apenas de hospitais, de postos de saúde e um sistema público de saúde que garanta acesso universal, embora tudo isso seja fundamental e não deva ser secundarizado. As pessoas pagam impostos para terem um atendimento descente e rápido. Mas é preciso mais, muito mais nestes tempos de vida corrida, de exigência de resultados, de busca do lucro e do ganho fácil, do ter em vez do ser.

Para tudo isso a Campanha da Fraternidade/2012 chama a atenção. Como disse Jesus: “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são purificados e surdos ouvem, mortos ressuscitam e a pobres anuncia-se a Boa Nova” (Lc. 7, 22). É saúde, que é vida, vida em abundância, mas é também a Boa Nova de um Reino de paz e justiça já a partir deste mundo. E para que em 2030, e depois, outros tantos e outras tantas como mamãe Lúcia e tia Matilde, e eu, velhinho, possam habitar num planeta com saúde e (ainda) muita sede de viver.



SELVINO HECK
ASSESSOR ESPECIAL DA SECRETARIA GERAL
DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Nenhum comentário:

Postar um comentário