sexta-feira, 23 de março de 2012

Basta só vigiar e punir?


São assustadores os valores das multas aplicadas pelas agências reguladoras. Entre 2008 e 2010, só a Anatel aplicou em multas mais de R$ 5,8 bilhões; a ANEEL, quase R$ 1 bilhão. Destes valores, só parcela ínfima é efetivamente arrecadada. As teles pagaram menos de 5%, as elétricas, pouco mais de 10%. O senso comum apontaria para a chamada impunidade à leniência das agências e à ineficiência do Judiciário. Proponho outra explicação. Nos últimos anos as agências aumentaram a quantidade e o valor das multas aplicadas. Não necessariamente porque os serviços públicos tenham decaído em qualidade. Embora longe da perfeição, a qualidade vem melhorando, inclusive pela pressão dos consumidores e dos órgãos de sua defesa. O incremento das multas se deve mais a um desvio regulatório. As agências, nos últimos anos, deslocaram seu foco da regulação preventiva e prudencial para as atividades de fiscalização e sanção.

Saudavelmente pressionadas pela sociedade, órgãos de controle e imprensa, muitas agências buscam se legitimar pelo mecanismo fácil da punição. Na Anatel, ficou tristemente célebre um ex-dirigente que, ao final das reuniões do Conselho, fazia a soma de multas aplicadas e comemorava cada novo recorde. Porém uma agência que pune muito, na verdade não está cumprindo seu papel. Não é saudável um setor regulado em que predomina a função sancionatória da agência.

A prática de aplicar multas exorbitantes com caráter exemplar é negativa por várias razões. Leva o regulador a acreditar que cumpre seu papel punindo, quando, na verdade, o bom regulador é o que previne a falta. Gera uma crise de confiança entre os regulados e usuários. Acarreta desproporcionalidade nas sanções e vícios legais pois, para punir mais e rápido, regras são atropeladas. Disso vem o aumento do questionamento das punições, sobrecarregando o Judiciário. Resultado: quase todas as multas são contestadas e deixam de ser recolhidas. Logo, resta um regulador desacreditado e ineficaz.

Mesmo que todas as multas fossem integralmente recolhidas, isso não seria positivo. Imaginemos que as teles recolhessem já, de uma vez, os quase seis bilhões que supostamente devem. As contas públicas agradeceriam, mas todos estes recursos sangrariam a capacidade de elas investirem em mais e melhores serviços para os consumidores.

Sanções exageradas podem ensejar aumento dos preços nos serviços não-tarifados. A pena pode até cumprir papel corretivo, mas a experiência demonstra que maior punição não basta para dissuadir condutas
infratoras.

Há mecanismos mais modernos e eficientes para tornar a regulação efetiva. Como ocorre no direito penal, com as penas alternativas, e no Ministério Público, com os termos de ajustamento de conduta, seria muito mais producente se as agências recorrerem a mecanismos substitutivos de sanção, sem caráter arrecadatório. Ao invés de multar, comprometer a empresa a reparar sua falta, investir em melhorias e evitar a repetição daquela conduta. Várias agências têm usado os acordos substitutivos com sucesso para ressarcir diretamente consumidores, com descontos ou franquias de serviços. Ou então para comprometer empresas a fazer investimentos que não sejam obrigatórios, mas que assegurem reduzir ou evitar novas falhas. Encher os cofres da União com bilhões que poderiam ser aplicados no interesse dos consumidores, definitivamente, é um desvio de finalidade do regulador. Como ensinam os pedagogos, melhor do que o castigo é a ação que evita o desvio.





FLORIANO DE AZEVEDO
MARQUES NETO
PROFESSOR DE DIREITO (US

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