quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Lembranças de um bairro


No passeio da Avenida Barão de Gurgueia, em frente à Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, em meados dos anos 60 foi instalado um relógio que por um curto período funcionou normalmente, depois desandou a baladar uma hora e marcar outra, até parar de vez, numa disfunção que nos levava a dizer que ele estava “doido”.

Em todos esses anos foi várias vezes consertado, mas voltava a repetir o estranho funcionamento e em, seguida, parava.

Alegrei-me em meados do ano passado nos breves dias em que ele funcionou pois o seu baladar transportava-me para os já longínquos dias da infância e despertava emoções da adolescência.

Mas sabia que não ia durar e pensei que entre suas badaladas malucas e seus longos silêncios ocorreram demolições, mudanças, mortes.

Muitas residências tranformaram-se em pontos comerciais, vizinhos se foram, desapareceram no tempo os tipos populares do bairro: o Capelão, Bibiu da Baixa do Chicão, a velhinha do beiju de coco da praia.

O odor dos charutos de Seu Antônio Torquato não mais se espalha nas noites, não mais vimos Dona Rute a fazer palavras cruzadas, minha mãe a ler jornais e também o menininho de olhos claros que há muito tempo atrás, sentado no batente da calçada ouvia atentamente as estórias contadas pela menina da casa vizinha.

Pena que enquanto era possível eu não tenha dito:

“– Lembra, Gerardo, de como no meio da claque dos meninos da rua você gritava: ú ú ú olha o beiju de coco da praia debaixo da saia, quando a velhinha passava todas as tardes?”.

E que fim teve mesmo o Capelão?. Teria sido bom compartilharmos essas lembranças pueris de uma Vermelha pacata, perdida no tempo, mas que ainda resiste na voz de seu Antônio ao apregoar todas as tardes “Quebra Queixo ó ó ó”... e de tempos em tempos, no baladar maluco do velho relógio.




DALVA MATOS
PROFESSOR

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