segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Lembranças de um bairro


Não prometia durar muito, arruinada pelo tempo com as paredes esboroando-se, não demorava a desabar. Poderia ter sido salva por uma restauração, se o poder público se interessasse, e seria transformada em escola, centro cultural, ou qualquer coisa, menos demolida.

A velha casa de esquina, que ocupava de um lado a outro a rua, cercada de calçadas altas, localizada no alto da suave ladeira que desce para o rio Parnaíba. Nas proximidades havia uma outra no mesmo estilo, e que foi demolida há muitos anos. Ambas tinham grossas paredes, cômodos grandes, pé direito alto e um alpendre interno que circundava toda a casa.

Na recém demolida, os peitoris e colunas eram cobertos de plantas, diversas folhagens e umas flores miúdas,
branquinhas que exalavam um cheiro bom, persistente, misturando-se ao odor da argila molhada que subia do pátio ladrilhado.

Nas velhas paredes corriam grandes lagartixas, a claridade do alpendre e do pátio chegava suavemente aos grandes quartos, meio escuros, com toque de sombra na qual flutuam sugestões e lembranças, próprios das casas antigas.

Pertencia aos herdeiros de um militar benemérito, antigo morador da área. Posteriormente seu nome foi dado ao Mercado Público da Vermelha. Da infância, tenho a nebulosa lembrança do seu funeral acompanhado pela Banda da Polícia Militar, uma pequena multidão e muitos carros. E toda aquela movimentação na rua sempre pacata nos deixou animados, até contentes.

Há muitos anos ela estava lá, e por vezes, nesta vida agitada, até a esquecia. Mas há poucos dias vi em seu lugar as cores brilhantes de um moderno prédio comercial. Aturdida, senti um pequeno e doloroso rebate no coração, lembrei então o mestre Braga ao constatar que o córrego da sua infância estava agonizante e, ousando parafraseá-lo, sei que este humilde escrito nada muda. Apenas registra a morte da velha casa gentil e acolhedora que abrigou sonhos e travessuras da minha infância.




DALVA MATOS
PROFESSORA

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