terça-feira, 29 de novembro de 2011

A música essencialmente feminina


Enveredando pela história da música brasileira, oral ou em registros escritos, deparamos com a presença marcante das mulheres, cantando, compondo, tocando. Somos testemunhas de que esta presença traz uma ternura encantadora que toca corações masculinos e femininos com um tom irreverente de luta e conquista.

Quem nunca ouviu falar de Chiquinha Gonzaga? Autora de inúmeras peças para piano, e dando aulas neste instrumento, avançou compondo valsas e cançonetas. Compôs sua primeira música aos 11 anos de idade, quando percebeu a necessidade de adaptar o piano ao gosto popular, o que a consagrou com o título de primeira compositora do Brasil.

Imaginem uma menina, filha de ilustre família do Império, mostrando sua irreverência em pleno século XIX, marcada por um sistema extremamente machista, no qual destinava às mulheres a aprendizagem da leitura e escrita em casa, e às vezes, podiam estudar piano, enquanto aguardavam o noivo a ser escolhido pelo pai. Foi neste tom que Chiquinha Gonzaga começou a experimentar também o gosto amargo do preconceito da época. “Ó abre alas que eu quero passar”, marcha carnavalesca por ela composta em 1899, mostrou que Chiquinha tinha personalidade e que sabia o que queria: O seu espaço na música brasileira.

O palco feminino permanece montado: no início do século XX, num estilo diferente dos costumes musicais da época, D. Ivone Lara, nascida em abril de 1922, começava a revelar-se como compositora, cantora e cavaquinista aos 25 anos de idade, embora somente em 1965 tenha penetrado no “fechado mundo masculino da ala dos compositores da Escola de Samba Império Serrano”, misturando ritmos africanos à musicalidade baiana e à temática carioca.

Somente aos 56 anos de idade, foi reconhecida como compositora. “O sonho meu” já não era só dela, com esta música tornara-se popular e a crítica referendou como a melhor música do ano de 1978. O Brasil pode ouvir suas canções na voz de Gil, Caetano, Gal e Betânia, que deram maior significado ao feminino musical da década de 60.

Mas ainda há muito o que revelar! Num esforço muito mais mental que cronológico, lembremos o quanto o Brasil foi embalado pelas vozes maravilhosas de Elza Soares, Sílvia Teles, Clara Nunes, Elis Regina, Nara Leão, Beth Carvalho, Simone, Joana, Alcione, Marina Lima, Elba Ramalho, Ângela Ro Rô, Rita Ribeiro e Cássia Eller.

Permitam-me mencionar também as vozes femininas locais: Rosinha Amorim, Gabi, Cláudia Simone, Soraya Castelo Branco, Darlene Viana e todas que pelo seu canto e encanto dão musicalidade ao mundo.

No século XXI, embora tenhamos perdido algumas destas mulheres, suas vozes saudosamente tem-nos encantado junto a outras, ouvidas e aplaudidas. “Deixa que eu seja eu...” canto sedutor de Marisa Monte tão bem traduz a sensibilidade e a autenticidade do ser mulher.

Contudo, convém dizer que muito mais que quantidade, a qualidade musical dada pela presença feminina é inquestionável. Transporte-se das marchinhas ao samba mais genuíno, do rock à bossa nova, das regionalidades locais à mistura variada de ritmos, teremos sempre uma música essencialmente feminina.




ROSÂNGELA R. DE CARVALHO
PROFESSORA DE ARTE

Nenhum comentário:

Postar um comentário