domingo, 22 de abril de 2012

Revelia na Justiça


Revelia não é licença para injustiça, nem desobriga o juiz dos seus deveres de examinar bem a causa (arts. 126 e 131, do CPC), julgando com prudência e conforme o direito, em busca de uma decisão correta. Não induz confissão ficta, obrigando o juiz a abraçar toda a carga de fatos e pedidos constantes da inicial do autor da demanda. Se assim fosse, todas as alegações do autor, ainda que duvidosas e até mesmo inverossímeis, receberiam a chancela de procedência, não por sua justeza ao direito e à razoabilidade, mas simplesmente pela ausência do requerido no processo. Teríamos essa ausência como fonte criadora do direito, o que seria um absurdo.

No Código de Processo Civil, a revelia não induz confissão ficta, elevando os fatos afirmados pelo autor à categoria de verdadeiros, como ocorre na hipótese do réu não contestar a ação (arts. 319 e 320). Já na CLT esses institutos se permeiam, gerando perplexidade, como se vê no art. 844, ao prescrever que “o
não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato”. Revelia, então, contrariamente à regra do CPC, implica confissão presumida da matéria de fato. Dois Estatutos com focos inteiramente diversos e conflitantes, quanto a um tema importantíssimo de processo.

O decreto de revelia significa que o demandado, embora citado, não compareceu ao processo que, por tal razão, não pode ficar estacionado ao aguardo de sua vontade de se fazer presente à peleja, exercitando o
direito de defesa. Para impulsionar o feito, o juiz decreta o estado de revelia. Mas isso não significa proclamar que tudo que o autor tenha dito na inicial seja verdadeiro, dando-lhe ganho de causa.

Ao contrário, a situação de revelia exige do juiz maior dose de cautela, mais cuidado no exame do caso, não afrouxando a cinta dos seus deveres, que, se agradar à preguiça e à indolência, implica ofensa a princípios basilares do processo, como o do devido processo legal, sobretudo em seu aspecto substantivo. A doutrina entende que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de índole constitucional, embora não explícitos na Carta, derivam dessa fonte, isto é, do postulado talhado no inciso LIV do seu art. 5º.  

Partes e seus advogados, quando fazem opção para resolver suas pendências em juízo, sabem, ou pelo menos devem saber, que estão obrigados a regras éticojurídicas, como, por exemplo, a de expor os fatos conforme a verdade e de não procederem de modo desleal e de má-fé, como também, não formularem pretensões que contrariem o direito e a lei, além de outras imposições no sentido de que a disputa seja justa.  

Lamentavelmente, nem sempre acontece assim. Autores e réus dizem inverdades, extrapolam, inventam, algumas vezes com a conivência de seus patronos. A levar ao pé da letra a regra do art. 319 do CPC, (“se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”), e do art. 844 da CLT, o juiz estaria preso a essa armadilha mental de confissão ficta, ainda que avistasse serem os fatos alegados pelo autor uma sandice e o direito pretendido uma abusividade, vendo-se obrigado a convolar um
despropósito, uma aberração jurídica, ou, por outra via, fechasse os olhos temendo ver a injustiça de uma decisão cega.  

Fredie Didier Jr., em magistral passagem do seu Curso de Direito Processual Civil (Podium, 7ª Ed., 1º v. p. 464, alertando não a confissão ficta efeito necessário da revelia,, diz que “O simples fato da revelia não pode tornar verossímil o absurdo: se não houver o mínimo de verossimilhança na postulação do autor, não será a revelia que lhe conferirá a plausibilidade que não possui. Se a postulação do autor não vier acompanhada do mínimo de prova que a lastreie, não se poderá dispensar o autor de provar o que alega pelo simples fato da revelia.    A revelia não é fato com dons mágicos.” A crônica judiciária amontoa casos em que a revelia, algumas vezes tramada, levou juízes a erro e injustiças irreparáveis.




JURANDY PORTO
MEMBRO DO IAB

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