segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Montesquieu treme

O famoso filósofo e político, Charles de Montesquieu, é o defensor da teoria da separação dos poderes, ou mais adequadamente, das funções do Poder, conforme autores renomados, em que as atribuições de legislar, governar e julgar deveriam ser entregues a órgãos distintos, para que o Poder, que é do povo,
fosse exercido em favor desse mesmo povo, sem causar-lhe opressão. Ou seja, Montesquieu queria tirar do rei o poder absoluto, tão comum na sua época, e assim, garantir a existência de governos  democráticos. Ele entendia que com o poder concentrado nas mãos de um só homem, nunca haveria democracia.

Mas a simples separação das funções do Poder não bastava. Se fazia necessário assegurar-se a independência e a harmonia entre os órgãos investidos dessas funções. A razão é simples: Sem  independência, tais órgãos, principalmente o Legislativo e o Judiciário, não poderiam exercer,
com soberania seus múnus; sem harmonia entre si, se quebraria a indivisibilidade do Poder, e, em vez de um Estado que atingisse seus objetivos nobres, ter-se-ia uma anarquia pior do que o Estado absoluto - o qual seria preferível ao caos - que não chegaria, por certo, a lugar nenhum. Daí, a nossa Constituição, ao tratar dos Poderes da União, dizer: “independentes e harmônicos entre si”.

Pois bem, assim com as leis sendo feitas por outro órgão independente, esperava Montesquieu que, além de evitar-se que o governante pudesse governar com base em leis feitas por ele mesmo, estas seriam produto da vontade do povo, e não do governante, já que ele entendia que os componentes do legislativo deveriam ser eleitos diretamente pelo povo.

Entretanto, a magnífica obra política de Montesquieu, apesar de ter sido aplicada em todos os Estados que sonhavam com a democracia, nunca foi bem assimilada pelos políticos, e, através dos anos,
tem sofrido severas modificações, neste particular, para atender a interesses econômicos globais e de grupos autoritários que sempre querem impor sua vontade. E a culpa por esse desvio é dos que fazem
a Constituição e as leis, pois sempre dão competência quase sem limite ao chefe do Executivo para propor leis e emendas à Constituição, além do poder de veto, seguida de covarde submissão da
maioria deles. Não é à toa que, no Brasil, quase cem por cento das leis são originárias do Poder Executivo, nos três níveis do Estado. Além do mais, quase todas foram aprovadas sem nenhuma mudança na redação original. Conclusão: O Legislativo funciona como mero homologador
de projetos do Executivo.

O nosso Legislativo está tão acostumado a não ter iniciativa de leis que o que sobra para ele fazer, já que não interessa ao Executivo, ainda não faz. Com isso, obriga, em muitos casos concretos, o Judiciário a fazer papel de legislador, quando deveria somente julgar as questões com base em leis vigentes, segundo a vontade de Montesquieu.

Certa vez, o presidente do Legislativo piauiense, indagado por um apresentador de jornal televisivo sobre o andamento dos trabalhos naquele Poder, respondeu que estava esperando as matérias que viriam do Executivo para, assim, os senhores deputados darem as mãos ao trabalho. Ou seja: todo mundo parado, quando deveriam estar discutindo e votando projetos de sua própria iniciativa. Assim, o chefe do Executivo governando com base em leis feitas por ele mesmo, resta apenas ao pó do inesquecível Montesquieu tremer de ódio dentro do túmulo. Tomara que não salte fora antes do dia da ressurreição!


JESUS NOÉ E. SANTIAGO
FUNCIONÁRIO PÚBLICO

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